Este artigo exemplifica a estrutura de um projecto de pesquisa artística em composição, baseado no processo que deu origem a "uma peça apropriada", estreada em 2022.
Título
uma peça apropriada — apropriação cultural no contexto da composição musical^[Este exemplo de projecto contém textos adaptados do capítulo uma peça apropriada, publicado no livro: José Quaresma (coord.). Chiado, Carmo, Paris — Soirée chez lui — Desassossego e apropriação (Lisboa: FBAUL & MNAC, 2022).]
Sumário
Este projecto de pesquisa artística procura uma forma apropriada de fazer apropriação cultural no contexto da composição musical. Actos que hoje apelidaríamos de apropriação cultural precedem obviamente esta conceptualização e tiveram um inegável impacto no desenvolvimento da música ocidental. No entanto, alguns dos processos criativos seguidos nestas obras seriam hoje inequivocamente anacrónicos ou mesmo eticamente inaceitáveis. O que pode — ou deve — um compositor homem-branco-macho-adulto-habitante das cidades-falante de uma língua padrão-europeu-heterossexual (Deleuze e Guattari 1980, 134) fazer hoje com as relações que mantém com a música oriunda de outras culturas? Continua a ser possível — ou desejável — trabalhar na fronteira entre culturas musicais? Sob que pontos de vistas poderei — eu, compositor que corresponde integralmente ao metro-padrão de Deleuze e Guattari — fazê-lo? uma peça apropriada será o título de uma peça para um ensemble de sete músicos que procurará dar resposta a estas questões através da cartografia musical de uma fronteira — imaginária, como todas as fronteiras o são — entre o gamelão javanês e a música contemporânea ocidental.
Questão de Pesquisa e Motivação
Para se precaver do feitiço da obra dos mais velhos, que ele estima, [o artista] pode procurar novas fontes de inspiração nas produções de várias civilizações, de acordo com os seus próprios desejos. [...] Se for sensível, o pintor não pode prescindir do contributo da geração que o precedeu, porque esse contributo está dentro dele, para além de si próprio. No entanto, é necessário que ele se liberte dele para, por seu turno, criar algo de novo e fresco.^[Tradução do original: "Pour se préserver de l’envoûtement de l’oeuvre de ses aînés immédiats, qu’il estime, il peut chercher de nouvelles sources d’inspiration dans les productions des civilisations diverses, selon ses propres afinités. [...\] Le peintre ne pourra perdre, s’il est sensible, l’apport de la génération qui l’a précédé, car il est en lui cet apport, malgré lui. Il est pourtant nécessaire qu’il s’en dégage pour donner lui-même et à son tour une chose nouvelle et de fraîche inspiration."]
(Matisse 2013, 198)
Este repto de Henri Matisse incorpora um desígnio que deu muitos frutos à arte ocidental do século XX: o da diversificação das fontes de inspiração dos criadores para além do seu contexto cultural de origem. A música não foi excepção: desde o lendário encontro de Claude Debussy com o gamelão javanês na exposição universal de Paris de 1889 (Spiller 2004, 128) até à passagem de Steve Reich por Accra, no Ghana, para os estudos de ritmo que terão dado origem à sua obra Drumming (Fraser 2017) — sem esquecer o impacto do budismo Zen em John Cage (Larson 2013) ou a miríade de enamoramentos catalisados pela disseminação do fonograma —, muitos e frutuosos foram os caminhos de cruzamento de culturas trilhados pela música no século XX.
Em paralelo, esta mesma associação entre a criatividade artística e a fertilização cruzada de expressões culturais encontrou amplo suporte teórico no seio da visão materialista que tem vindo a dominar o pensamento ocidental, num processo de construção ideológica de uma noção de criatividade que encontrou expressão popular, já no século XXI, na mui disseminada ideia de que everything is a remix:
A mundividência tecnológica dominante (Heidegger 1977) — que determina que tudo quanto existe é redutível à condição de recurso à espera de ser explorado de formas progressivamente mais eficientes — não pôde deixar de se manifestar também neste contexto, alavancando o desenfreado impudor com que as mais diversas manifestações culturais são quotidianamente objectificadas, e.g., no seio das chamadas indústrias criativas ou da investigação em criatividade artificial. Como em tantos outros casos, o que nasceu como uma análise materialista do real acabou capturado pela visão neoliberal dominante, transformando as manifestações culturais em recursos a serem, também eles, commodified. Vivemos hoje assoberbados por uma quantidade inaudita de produtos culturais — cultural commodities — que, como a palavra indica, são trabalhados por forma a se tornarem cómodos, ou seja, processados por forma a causar o mínimo de desconforto ou estranheza à sensibilidade dominante num determinado momento e local. Ou, causando-os, tendo o cuidado de o fazer apenas como um artifício de exotismo devidamente enquadrado, neutralizado e apaziguado pelos restantes elementos do contexto.
Mas eis que, em boa hora, várias vozes se levantaram denunciando aquilo que conhecemos hoje no debate público como apropriação cultural. No cerne da questão está a ideia de que as manifestações culturais não são objectos prontos a serem extirpados do seu contexto de enunciação e utilizados de forma indiscriminada, ora em benefício de quem deles se apropria, ora como mera representação superficial de um outro a quem é negada a oportunidade de se representar a si mesmo (Said 2021). Não vejo nesta ideia nada mais do que a sua nobreza. Não obstante, parece-me premente que sejam amplamente discutidas as perguntas que lhe são consequentes e às quais não é fácil dar resposta: quem pode trabalhar sobre — ou dentro de — uma determinada prática cultural? Quando — ou como — é aceitável trabalharmos sobre materiais, objectos e ideias oriundas de outra cultura?
Uma visão estritamente política do problema poderá levar-nos à conclusão extrema de que ninguém pode trabalhar fora da cultura e experiências nas quais foi cerceado enquanto sujeito. É difícil imaginar como poderíamos, nesse caso, não estar a condenar todas as práticas artísticas que conhecemos a uma tautológica e inócua estagnação, em tudo análoga àquela a que parece aludir Matisse na citação que encabeça este texto.
Uma visão menos radical, mas ainda assim estritamente política, poderá levar-nos a colocar no lugar de enunciação do criador o ónus do julgamento sobre o acto de apropriação. Nesta perspectiva, se a apropriação é oriunda de um grupo social que ocupa uma posição de poder, ela é desadequada e, por isso, condenável; se, pelo contrário, emana de um grupo social de algum modo subalternalizado, a apropriação é sancionada pela necessidade de reparação histórica. Esta perspectiva coloca num mesmo conjunto de apropriações condenáveis, e.g., a utilização de trajes guerreiros da cultura nativo americana num desfile de moda e a produção literária de William Styron:
Ao mesmo tempo, torna solidariamente imunes à crítica apropriações como, e.g., a da música de Bach por MC Fioti em Bum Bum Tam Tam e a integração do violino na música carnática (e hindustani):
Estes exemplos são notoriamente caricaturais e fazem parte de uma tentativa de pôr em evidência a necessidade de considerar a questão do quando ou do como paralelamente à questão de quem comete o acto de apropriação. No entanto, e tal como o quem parece estar integralmente no domínio da resposta política, o quando e o como enquadram-se inequivocamente no domínio da resposta artística, uma que me parece ser, neste contexto, pelo menos tão importante quanto a política. Não será essa a razão, afinal, para que a acusação de desleixo artístico acompanhe comummente a acusação de apropriação indevida? Não será por isso que o poema que falha por apropriação o faz apenas depois de fraquejar, em primeira instância, enquanto poema (Rekdal 2021, 4)? É importante lembrar que a conotação negativa de que se reveste o termo apropriado, quando referente a questões de propriedade, é acompanhada, nas línguas latinas, pela conotação positiva do mesmo apropriado quando ganha o sentido de adequado, de próprio para um determinado fim, numa dupla semântica que aproveitei, aliás, para o título deste projecto, que terá como principal questão de pesquisa a pergunta:
De que modo pode, hoje, uma apropriação ser apropriada?
A motivação para dar resposta a esta questão é, claro, também pessoal, já que qualquer uma das visões políticas acima descritas me impediria a mim, homem-branco-macho-adulto-habitante das cidades-falante de uma língua padrão-europeu-heterossexual^[No original, “Homme-blanc-mâle-adulte-habitant des villes-parlant une langue standard-européen-hétérosexuel” (Deleuze e Guattari 1980, 134).] — não há, na verdade, um único elemento do metro-padrão de Deleuze/Guattari ao qual eu não corresponda — de trabalhar sobre qualquer manifestação cultural que não a da tradição da música escrita ocidental. No entanto, a sinceridade obriga-me a declarar que sinto, mais do que o mero impulso, um verdadeiro dever de o fazer, primordialmente enquanto manifestação de uma vontade de, numa assumida inspiração humanista, cultivar no espaço público a genuína descoberta e a ponderada compreensão:
A intenção subjacente a Orientalismo é utilizar a crítica humanística para ampliar os campos de disputa e para introduzir uma sequência maior de pensamento e análise que substitui as pequenas explosões de fúria polemista que paralisam a reflexão e que tanto nos encerram em rótulos e em debates antagonísticos, cujo objectivo é uma identidade beligerante colectiva, em vez da compreensão e da troca intelectual. Chamo ao que tento fazer «humanismo», e continuo teimosamente a utilizar a palavra apesar da destituição escarninha que o termo sofreu pela mão dos mais sofisticados críticos pós-modernos. Com humanismo pretendo dizer, em primeiro lugar, procurar dissolver as «algemas forjadas pela mente», de que fala Blake, para que possamos empregar a nossa mente, de forma histórica e racional, na compreensão ponderada e na descoberta genuína. Mais, o humanismo alicerça-se num sentido de comunidade com outros intérpretes e com outras sociedades e períodos; portanto, para ser rigoroso, não existe nada sequer parecido com um humanista isolado.
Pretendo, assim, dizer que cada domínio está relacionado com todos os outros e que nada do que acontece no nosso mundo esteve alguma vez isolado e imune a qualquer influência exterior. O lado doloroso de tudo isto está em que, quanto mais o estudo crítico da cultura nos revela que é assim que as coisas são de facto, menor parece ser a influência dessa revelação, e maior parece ser o território conquistado por polarizações redutoras do tipo «Islão versus Ocidente».
(Said 2021, 18-19, itálicos meus)
A minha resposta à questão de pesquisa terá, então, de submeter a questão política à questão artística: tudo depende da forma como o fizer. Não vejo esta questão como algo que diga respeito à minha vinculação pública enquanto putativo membro de um grupo social, mas antes como uma questão à qual me vinculo através do acto de apresentar à consideração de uma comunidade uma resposta que assume a forma de uma manifestação artística particular. Sei que esta solução não será, claro, satisfatória para quem não esteja pronto para aceitar que a discussão possa ser tida fora de um plano estritamente político e assumindo a primazia do plano relacional. Mas é em mim firme a convicção de que o contacto com qualquer manifestação artística implica o estabelecimento de uma relação, e uma relação que é condicionada a priori por uma leitura política dos seus termos, como sabemos, não será nunca uma relação verdadeira.
A cultura da qual me apropriarei será a tradição do gamelão, em particular o de Java. Esta escolha prende-se com três razões principais, apresentadas de seguida por ordem crescente de importância:
- O facto de ser uma tradição musical alvo de estudos significativos na história daquilo a que Jaap Kunst — ele mesmo um estudioso do gamelão — apelidou de etnomusicologia. Este rico acervo biblio e discográfico permitirá um acesso mais fácil aos detalhes de uma prática musical que me é mais distante.
- O facto de ser uma tradição musical já amplamente apropriada por músicos ocidentais, quer em consequência dos já referidos encontros de Debussy e outros compositores ocidentais com o gamelão (Spiller 2004, 128), quer na sequência dos influentes estudos e composições de Colin McPhee (1966), quer ainda por via da profusão de práticas em torno do gamelão por parte de músicos ocidentais nas últimas décadas.
- O facto de ser a tradição musical com a qual tive, ao longo do meu percurso como músico oriundo da tradição escrita ocidental, um contacto mais directo do ponto de vista da prática musical, tendo feito várias formações e integrado um número significativo de projectos com gamelão.
A obra resultante será escrita para a formação do Sond'Ar-te Electric Ensemble — flauta, clarinete, percussão, piano, violino, viola e violoncelo —, com a possibilidade de usar vídeo e electrónica em tempo real. As razões para esta escolha prendem-se com uma questão puramente prática, já que recebi uma encomenda para esta formação, facto que garante condições de execução pública adequadas para o trabalho final.
Estado da Arte
A bibliografia sobre o contacto do ocidente musical com o gamelão é particularmente extensa, já que este será, porventura, um dos mais fecundos encontros na história daquilo a que Jaap Kunst, ele mesmo um estudioso da música de gamelão, apelidou de etnomusicologia. O trabalho do seu aluno Mantle C. Hood, também ele especialista na música de gamelão do centro de Java, reveste-se aqui de particular importância pela introdução da noção de bimusicalidade: um neologismo cunhado a partir da noção de bilinguismo para designar a fluência em mais do que uma tradição musical. Segundo Hood, a bimusicalidade estabelece uma excelente base para a compreensão inter-cultural através da música e foi com esse objectivo que estabeleceu a primeira orquestra de gamelão nos EUA (mais concretamente, no departamento de música da UCLA) e que deu início ao hábito de convidar músicos indonésios para orientar os estudantes de gamelão norte-americanos (Spiller 2004, 128-129). Através dos seus estudantes, essa prática do gamelão espalhou-se por várias instituições de ensino superior norte-americanas, e, mais tarde, também canadianas e europeias, dando origem a uma significativa presença do gamelão na prática dos músicos ocidentais, através de contactos em tudo idênticos ao que eu próprio tive com o gamelão da Casa da Música, no Porto.
No entanto, a relação da bimusicalidade com a noção de apropriação cultural é hoje substancialmente mais complexa do que o era no pós-guerra, altura em que Hood começou a construção de uma tradição norte-americana de gamelão. Se, num contexto pós-colonial, o simples acto de um grupo de músicos ocidentais tocar, e.g., música javanesa de forma totalmente desenraizada do seu contexto material e espiritual original pode ser já problemático, a tentação de resolver o problema imitando os rituais, os contextos, as roupas e os gestos alheios por forma a tornar a apresentação mais “genuína” não pode senão piorar a situação. Felizmente, esse não é um problema que eu me sinta vinculado a tratar, já que ele se me afigura como artisticamente infértil. Contudo, a noção de bimusicalidade arrasta consigo a possibilidade de uma ideia de tradução musical. Tal como alguém que é bilingue se encontra numa posição privilegiada para verter expressões entre duas línguas, poderá, de algum modo, o bimusical intuir como traduzir determinadas acções musicais entre culturas musicais distintas?
Se as questões em torno da tradução são já muito complicadas no caso da linguagem, sê-lo-ão ainda mais no caso da música. Ainda assim, parece-me que vale a pena analisar o que pode esta comparação trazer de fecundo para as questões artísticas em torno da apropriação cultural. Vejamos o que tem John Berger a dizer sobre a tradução literária:
Hoje em dia, a maior parte das traduções são técnicas, enquanto eu me refiro a traduções literárias. A tradução de textos que têm que ver com a experiência humana individual.
A visão convencional da tradução consiste em estudar as palavras de uma página numa língua e depois vertê-las para outra língua numa outra página. Isto envolve aquilo a que é costume chamar-se uma tradução palavra por palavra, depois uma adaptação para respeitar e incorporar a tradição e as regras da segunda língua e, finalmente, uma outra reformulação para recriar a “voz” do texto original. Muitas, talvez a maior parte, das traduções seguem este procedimento e os resultados são meritórios mas de segunda categoria.
Porquê? Porque a verdadeira tradução não é um processo binário entre duas línguas, mas sim um processo triangular. O terceiro vértice do triângulo é aquilo que estava por trás das palavras do texto original antes de ter sido escrito. A verdadeira tradução exige o regresso ao pré-verbal.
(Berger 2018, 11-12)
Numa primeira leitura, a visão de John Berger impele-nos a excluir a possibilidade de uma tradução técnica. Importa então saber o que será uma tradução técnica no caso da música. Julgo que a podemos localizar na redução da música original a um objecto com propriedades musicais que podemos então transcrever tecnicamente para outra tradição musical. Isto pode incluir a transcrição de música de gamelão para os instrumentos e escalas ocidentais ou a representação da música indonésia através do simulacro de objectos musicais. Se é certo que estas opções têm uma longa história nas obras que marcam o encontro do ocidente com a música de gamelão, a sensibilidade de hoje recomenda grande cautela na redução das manifestações artísticas às suas propriedades enquanto objectos, algo que eu próprio tenho vindo a defender noutros contextos (e.g., Penha 2019).
Apesar do seu trabalho versar sobre a tradição do gamelão de Bali e não de Java, o nome de Colin McPhee é incontornável quando falamos do contacto entre as tradições musicais da Indonésia e da Europa / América do Norte. Depois de ter ouvido alguns dos primeiros registos discográficos da música de gamelão de Bali na década de 1920, McPhee viveu quase uma década em Bali, tendo estudado a fundo a sua cultura e as suas tradições musicais. Podemos encontrar o registo mais pessoal deste contacto no livro A House in Bali (McPhee 1991, originalmente publicado em 1947) e um dos mais impressionantes estudos etnomusicológicos no clássico Music in Bali (McPhee, 1966), um livro que marca presença nalgumas das melhores bibliotecas universitárias norte-americanas e que teve, também por isso, uma assinalável influência na música norte-americana da segunda metade do século XX.
Um documento do impacto e alcance do trabalho de Colin McPhee pode ser conhecido através do documentário realizado por Michael Blackwood em 1985, intitulado Colin McPhee: The Lure of Asian Music.
Algumas das primeiras abordagens musicais de Colin McPhee passaram pela transcrição da música de Bali para instrumentos ocidentais, como se pode ouvir na gravação das transcrições para dois pianos que o próprio gravou com Benjamin Britten em 1941:
Ou a composição de obras originais que adoptam os processos da música de Bali, como a célebre Tabuh-Tabuhan (1936), para orquestra e dois pianos, obra em que podemos ouvir uma clara génese do que veio mais tarde a ser reconhecido como o minimalismo americano:
A influência de Colin McPhee, quer directa, quer através dos seus escritos, é muito mais significativa do que o seu actual reconhecimento como compositor poderia sugerir. Um dos compositores que mais de perto trabalhou com Colin McPhee na criação do chamado American Gamelan foi Lou Harrison, autor de um grande número de obras inspiradas pela tradição do gamelão e que misturam instrumentos ocidentais com o gamelão americano, como, e.g., as Four Pieces for Harp^[É impossível não notar a ausência da referência ao gamelão no título da obra. Este facto, a par com a sua proposta de um conjunto de concertos para intrumentos ocidentais e gamelão nos quais, como o formato sugere, os instrumentos ocidentais ocupam o lugar de solista e o gamelão o de acompanhamento, valeram a Lou Harrison várias críticas e acusações de apropriação cultural.], de 1964:
Outros exemplos da sua produção excluem os instrumentos do gamelão, mas denotam de forma inequívoca o uso de técnicas composicionais inspiradas nesta tradição indonésia, como, e.g., na Suite for Violin, Piano and Small Orchestra, aqui na gravação de 1988 por Lucy Stoltzman, Keith Jarrett e uma pequena orquestra sob a direcção de Robert Hughes:
Penso ser relativamente seguro assumir que estamos, em todos estes casos, perante exemplos musicais daquilo que Berger apelida de tradução técnica: ora colocando um ênfase maior nos processos — algo extraordinariamente relevante na tradição do gamelão (Weiss 2011) — ora mesmo na tradução literal de melodias criadas para timbres e escalas que não têm, claro, correspondência com os timbres e escalas originais. É, aliás, claro em ambas as tradições musicais o quanto as suas escalas, bem como as estruturas melódicas e harmónicas que lhes são consequentes, têm uma profundíssima relação com a composição harmónica dos seus principais timbres (Sethares 2005, Gann 2019).
Uma outra abordagem relativamente comum é a utilização de um ou mais instrumentos do gamelão no contexto da música ocidental, como, e.g., na última das Four Pieces for Harp de Lou Harrison (vd. acima). No meu caso pessoal, o primeiro contacto com este tipo de abordagem foi através do MTV Unplugged da compositora e cantora islandesa Björk, de 1994:
Dado o grande número de orquestras de gamelão em instituições do ocidente, em particular da América do Norte, não será surpreendente que muitos destes grupos se dediquem à composição de nova música (ocidental) para gamelão. Particularmente activo neste domínio é o grupo Gamelan Madu Sari, fundado em 1986 em Vancouver, que já lançou dois discos de nova música para gamelão javanês: New Nectar (2004) e Hive (2010).
Em Portugal, há pelo menos duas orquestras de gamelão javanês, uma sediada na Fundação Oriente, em Lisboa, e outra na Casa da Música, no Porto. Eu tive o meu primeiro contacto directo com o gamelão através do primeiro e colaborava com o Serviço Educativo da Casa da Música aquando da aquisição do segundo. Este deu origem à criação de espectáculos multimédia (e.g., Leite e Lafontana 2014), à criação e distribuição de uma biblioteca completa de amostras sonoras, à criação de um gamelão robótico (todas criações nas quais participei activamente) e à criação de um Esemble de Gamelão, que se mantém em actividade:
Paulo Maria Rodrigues, então coordenador do serviço educativo da Casa da Música, criou, mais tarde e com a sua Companhia de Música Teatral, o Gamelão de Porcelana e Cristal:
Estes grupos deram origem a várias abordagens musicais com diferentes relações entre a tradição javanesa e a música ocidental, entre as quais se inclui a minha obra 5cinco (2018), para gamelão robótico e meios electroacústicos, resultado de uma encomenda da Casa da Música:
Se nos primeiros casos (de Colin McPhee e Lou Harrison) estávamos perante uma tradução da música de gamelão para instrumentos ocidentais, em quase todos estes casos estamos perante traduções inversas: a de abordagens musicais ocidentais aos instrumentos do gamelão. Se é verdade que podemos, em cada um dos casos, inferir diferentes graus de envolvimento com as duas tradições — resultado, entre outros, do desenvolvimento apriorístico da tal bimusicalidade de Mantle C. Hood —, parece-me claro que estamos quase sempre perante resultados daquilo que poderíamos apelidar de traduções técnicas: universos tímbricos oriundos de uma cultura sobre os quais construímos abordagens musicais oriundas de outra cultura diversa. Perante a pretensão de excluir a tradução técnica, em que poderá consistir uma verdadeira tradução no caso da música? E como pode essa tradução ambicionar à condição de manifestação artística autónoma?
Um compositor que conseguiu uma abordagem particularmente interessante à nova música para gamelão foi Alvin Lucier, que, em 1994, estreou a sua Music for Gamelan Instruments, Microphones, Amplifiers and Loudspeakers. Esta peça foi escrita para o gamelão javanês da sua instituição, a Wesleyan University, fundado na década de 1960 e de grande relevância na difusão do gamelão javanês na América do Norte, em grande medida pela actividade e publicações do Professor Sumarsam. Sobre o processo de composição desta peça, Lucier escreveu:
Em 1994, quando a Wesleyan University me convidou para apresentar um festival do meu trabalho, decidi fazer o máximo número possível de novos trabalhos, em vez de simplesmente apresentar uma retrospectiva de trabalhos mais antigos. Queria fazer um trabalho para gamelão javanês há algum tempo, mas estava hesitante em fazê-lo por três motivos: um, eu não queria infringir a generosidade dos meus colegas Sumarsam e I. M. Harjito, que eram tão frequentemente solicitados para abdicar de tempo importante de ensaios para a apresentação de novos trabalhos; dois, eu sempre fui cauteloso em usar a música de outrém no meu próprio trabalho; e três, eu não tinha uma ideia original. Eu certamente não queria que minha peça soasse indonésia. Foi só quando comecei a imaginar os bonangs da orquestra de gamelão mais como câmaras ressonantes a serem tocadas do que objetos a serem atingidos que senti que poderia fazer um trabalho que pudesse chamar de meu. Senti-me então confortável em perguntar aos meus colegas se estariam interessados em que eu compusesse uma obra para o grupo deles. Eles concordaram.^[Tradução do original: “In 1994, when Wesleyan University invited me to present a festival of my work, I decided to make as many new works as possible rather than simply present a retrospective of older works. I had for some time wanted to make a work for Javanese gamelan but was hesitant to do so for three reasons: one, I didn’t want to infringe on the generosity of my colleagues Sumarsam and I. M. Harjito, who were so often asked to relinquish important rehearsal time for the performance of new works; two, I have always been wary of using someone else’s music in my own work; and three, I didn’t have an original idea. I certainly didn’t want my piece to sound Indonesian. It wasn’t until I started imagining the bowl-shaped bonangs of the gamelan orchestra more as resonant chambers to be sounded than objects to be struck, that I felt I could make a work that I could call my own. I now felt comfortable in asking my colleagues if they would be interested in having me compose a work for their ensemble. They agreed.”]
Apesar de muito interessante, esta obra é inequivocamente uma abordagem idiossincrática de Alvin Lucier a um conjunto de instrumentos aqui tratados primordialmente como objectos ressonantes:
Uma tradição do gamelão pouco conhecida no ocidente, que, no entanto, tem particular relevo para este trabalho, é a do Gamelan Gadhon, uma versão de câmara da música de Java. Esta é uma tradição com vários séculos e que deu origem a um importante conjunto de composições e aquilo a que chamaríamos, no ocidente, re-orquestrações para grupos mais pequenos que se apresentam em espaços fechados e em eventos como, e.g., os da corte de Java. Alguns exemplos da história dessa tradição estão documentados no disco triplo Chamber Music of Central Java, de 1994:
As três obras presentes no segundo disco são particularmente interessantes para o estudo que conduzirá a este processo de composição — também ele para música de câmara —, veiculando um peculiar entrosamento entre o virtuosismo das vozes e instrumentos solistas com os instrumentos do gamelão que os acompanham:
Antevisão do Processo
Do ponto de vista prático, um dos problemas a resolver na tradução composicional entre as duas culturas será a busca de uma ponte entre a relação timbre/escala da música ocidental — fruto da prevalência de instrumentos com estruturas harmónicas comparativamente simples e estáveis — e a relação timbre/escala do gamelão javanês — fruto da prevalência de instrumentos com estruturas harmónicas comparativamente complexas (na linguagem ocidental chamar-lhe-íamos inharmónicas) e, também por isso, altamente variáveis entre as várias orquestras de gamelão. Aquilo que foi visto por muitos ocidentais como a falta de uma estandardização dos sistemas de afinação das escalas pelog e slendro que podemos encontrar em vários locais de Java não é, na verdade, nada mais do que o resultado de uma assinalável diferença de atitude perante a afinação: se, na Europa, esta era uma preocupação central que guiava a construção e evolução dos instrumentos musicais, em Java ela era uma consequência das idiossincrasias tímbricas dos instrumentos musicais construídos como peças únicas e irreplicáveis.
Para uma peça apropriada, a estratégia para solucionar este problema passará pela busca de sonoridades híbridas através da orquestração assistida por computador, cruzando estruturas harmónicas concebidas com as amostras dos instrumentos do gamelão javanês da Casa da Música com as estruturas harmónicas de amostras dos instrumentos que constituem o Sond'Ar-te Electric Ensemble, retiradas das bibliotecas FullSOL do Forum Ircam e University of Iowa Musical Instrument Samples. A utilização da orquestração assistida por computador tem origem no âmbito daquilo que conhecemos como música espectral e é hoje um recurso corrente da composição contemporânea (Abreu, Caetano e Penha 2016). A abordagem de uma peça apropriada terá, contudo, duas particularidades. A primeira é a de que a estratégia de orquestração passará em primeiro lugar pela divisão das amostras sonoras em duas componentes, que apelidarei de (1) ressonâncias e (2) resíduo^[O uso da palavra resíduo pretende convocar, claro, a noção de componentes tímbricas com características estocásticas e não sinalizar um comparativo demérito desta componente.]:
Tanto os instrumentos do gamelão javanês como os instrumentos do Sond'Ar-te Electric Ensemble, sobretudo quando tocados com as denominadas técnicas extendidas, têm uma importante componente de som que não é adequadamente representado pelas componentes espectrais das ressonâncias e a implementação de uma estratégia de orquestração assistida por computador que trate estas duas componentes de forma diferenciada permitirá encontrar soluções que optimizem ambas as componentes.
A segunda particularidade desta abordagem será a implementação de um algoritmo de busca de soluções baseado num sistema imunitário artificial (Abreu, Caetano e Penha 2016), ao invés do algoritmo genético utilizado, e.g., no software Orchidea. Esta abordagem permite a criação de uma maior diversidade de soluções para uma mesma busca:
Esta estratégia permitir-me-á geral material harmónico e tímbrico, pondo em evidência a comparativa complexidade harmónica que existe no gamelão javanês mesmo quando é tocada apenas uma mesma nota nos vários instrumentos. Usando a escala pentatónica slendro — cujas notas são designadas pelos números 1, 2, 3, 5 e 6 —, obtemos assim cinco campos harmónicos e tímbricos distintos que serão explorados nos cinco andamentos em que se dividirá uma peça apropriada.
Do ponto de vista do desenvolvimento do material musical, serão exploradas estratégias diferentes em cada andamento, por forma a melhor focar o seu alcance individual. Nos andamentos ímpares, o desenvolvimento do material seguirá uma lógica mais próxima da tradição musical javanesa, utilizando, e.g., ciclos de diferentes tamanhos em diferentes camadas e procurando uma colagem maior ao timbre do gamelão. Nos andamentos pares, o desenvolvimento do material seguirá uma lógica mais próxima da tradição da musical ocidental, apresentando uma maior independência dos papéis dos diferentes instrumentos, que serão usados de forma mais próxima ao seu uso idiomático na música europeia.
Para além desta macro-divisão, haverá uma divisão mais fina das estratégias por andamento. No primeiro andamento, será então explorada orquestração da ressonância longa e harmonicamente rica do Gong Ageng, o mais grave instrumento do Gamelão que usualmente pontua o início e final dos ciclos mais largos.
Na música de gamelão, a ausência de direcção visual, os transitórios de ataque muito precisos e a grande distância física entre os instrumentos contribuem para que cada ataque de notas em simultâneo — em particular nos momentos em que há grandes variações do tempo — soe como uma multiplicidade rápida de ataques, algo muito idiossincrático desta prática musical. Na música ocidental, contudo, esse mesmo efeito é — salvo nos momentos em que surge de forma intencional — geralmente interpretado como uma indesejável imprecisão rítmica. O segundo andamento explorará a escrita destas imprecisões como estratégia para o desenvolvimento do material musical.
Por razões de diversidade na abordagem, o terceiro andamento explorará o que poderíamos apelidar de progressão articulada entre a nota 3 e a nota 2, algo bastante comum na música de java. Este será, assim, o menos estático dos andamentos do ponto de vista harmónico e irá progredir numa desaceleração rítmica, procurando um efeito que poderíamos apelidar de suspensão articulada.
Uma das características idiossincráticas da música de gamelão javanesa é a articulação de uma mesma melodia em vários instrumentos e em várias oitavas. Nos instrumentos em que alguma nota da melodia não exista, esta pode ser omitida, oitavada ou mesmo alterada, seguindo estratégias que mudam consoante o modo da obra em questão. Isto resulta numa melodia de conjunto com assinalável riqueza na evolução tímbrica e espacial. O instrumento Gender — devido à sua grande ressonância, comparativamente pobre transitório de ataque e peculiar técnica de execução — assume muitas vezes o papel de ressonância dos restantes instrumentos, surgindo de forma proeminente no espaço da performance apenas alguns instantes após o ataque simultâneo das notas nos restantes instrumentos. Esta será a estratégia adoptada no quarto andamento, no qual um solo de viola será acompanhado por notas articuladas no vibrafone e no piano como se de uma reverberação articulada da viola solo se tratasse, por vezes terminando frases em notas diferentes.
Uma outra característica de alguma música do gamelão javanês é a tendência para terminar as obras com uma aceleração do material musical, ao invés do que é usual acontecer na música ocidental. O quinto andamento procurará assim uma aceleração com carácter conclusivo, algo que, do ponto de vista ocidental, dará certamente origem à percepção de alguma ambiguidade temporal.
O que se pretende com este trabalho é chegar, então, àquilo a que poderíamos chamar uma tradução poética da música de gamelão javanesa para o contexto da composição contemporânea ocidental, em grande medida análoga a um hipotético trabalho de tradução de poesia entre duas línguas e tradições muito distantes. Como é tornado evidente pela analogia, o objecto que obtemos com qualquer tradução poética não substitui nem representa o objecto original: antes se acrescenta a ele. É, aliás, perfeitamente possível que um falante tanto da língua original como da língua da tradução aprecie ambas as manifestações poéticas, sobretudo se o fizer por razões diferentes, ou seja, por neles ler equilíbrios diferentes de uma mesma plausibilidade. É ainda concebível que o autor do poema original não domine a língua da tradução e que seja, por isso, incapaz de compreender a plausibilidade das escolhas nela contidas. Do mesmo modo, um falante da língua do poema traduzido pode ser capaz de o compreender em profundidade mesmo que não consiga descodificar o poema no idioma original. É, por fim, inteiramente plausível que uma nova tradução poética que vertesse a tradução de novo para a língua original nos levasse a um gesto poético muitíssimo diferente do original — traduttore, traditore —, num processo potencialmente infinito de expansão dos limites poéticos de um mesmo gesto gerador.
Não querendo fazer equivaler todo o trabalho musical que se funda no cruzamento entre culturas à tradução poética, parece-me que podemos inferir desta comparação algumas ilações preliminares para a composição de uma peça apropriada. A primeira é a de que não é aceitável que trate o material sobre o qual estou a trabalhar com nada menos do que o limite das minhas melhores capacidades, tanto as artísticas, como as humanas e as técnicas. Se isto pode ser genericamente verdade para toda a criação artística, é-o, por maioria de razão, quando o material é ele mesmo veículo de aspirações alheias que importa honrar e respeitar. Não basta a inexistência de uma intenção de causar dano, será necessária uma activa e atenta intenção de o evitar a todo o custo. Deverei, para tal, maximizar a minha capacidade de aferir a plausibilidade das intenções que atribuo ao gesto poético sobre o qual trabalho. Esta capacidade é limitada não apenas pelo meu conhecimento do contexto, mas, e sobretudo, pela minha capacidade de empatia para com o lugar de enunciação original, em detrimento do da sua representação em contextos que lhe são alheios.
A segunda conclusão é, talvez, contra-intuitiva: o alcance do trabalho não terá necessariamente de ser tornado inteligível para alguém que circunscreva o seu interesse quer à cultura de chegada, quer à cultura de partida. No caso concreto de uma peça apropriada, ela não terá absolutamente nada a acrescentar à tradição do gamelão e não é expectável que um músico javanês que não esteja versado no momento actual da música de tradição escrita europeia esteja em boas condições para dela formar uma compreensão plausível. Só superficialmente é que esta conclusão pode parecer contradizer a anterior. Na verdade, ela não significa nada mais do que o reconhecimento de que a minha peça pode e deve exigir simétrica disponibilidade para que se nela se encontre um entendimento que seja plausível nos seus próprios termos.
É aqui que residirá, em simultâneo, a sua fragilidade e a sua força: ao não pretender ser superficialmente entendida por todos, entregar-se-á plenamente à possibilidade de ser profundamente recebida por alguns. O lugar de plausibilidade para a compreensão plena deste meu trabalho estará então circunscrito — julgo, espero ou temo, não sei bem — a essas fluidas fronteiras imaginárias onde se pode dar o encontro entre estas duas culturas musicais. Procurarei garantir que uma peça apropriada contenha em si mesma o mapa de um desses férteis lugares de genuína descoberta, e sabe-lo-ei apenas quando conseguir intuir a sua presença durante o processo de composição.^[Haveria porventura muito a explicar sobre esta ideia de que é a obra que conduz o criador e não o contrário, mas, e na impossibilidade de o fazer no espaço deste artigo, consola-me a convicção de que todos quantos passaram pela experiência da criação artística compreenderão facilmente o que quero dizer.] Terei então a certeza de que é (também) esse o seu potencial, ainda que nada possa dizer sobre a sua capacidade de levar outros a esse ou até mesmo a locais que permanecerão além da minha imaginação. Restar-me-á apenas confiar na sinceridade do meu processo e manter, até prova em contrário, a esperança de que qualquer pessoa que estiver na posse de condições de interpretação da plausibilidade das minhas intenções se sinta interpelada, mas não ofendida, pela minha proposta.
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